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Mostrando postagens com o rótulo Mutações

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©Lecy Sousa Sim. Eu fiquei ali, na calçada, assoviando qualquer coisa. Sempre achei assoviar coisa de gente sem o que fazer ou aborrecida, mesmo. Ali estava eu praticando o que julgava. Argh! Eu queria tirar os olhos do celular, sabe? Tirar os olhos e não me sentir entediado, entende? Não. Eu não estou escrevendo um querido diário do garoto Ken ou da garota Barbie. Tento relatar, à minha maneira, alguma coisa. Enquanto falo, a minha voz vira palavras num desses editores de texto, sabe? Tudo em busca das palavras que mais “agradem” ao algoritmo. As palavras do período perfeito, da oração perfeita. Percebe? Meus ossos doem. Meu estômago dói. Estou bastante ansioso. A culpa surgiu dessa necessidade de não ficar entediado. De tanto a humanidade reclamar de que viver é um tédio gigantesco, sem algo que nos entretenha, sem algo que prenda nossa atenção minuto pós minuto, o pedido foi atendido. Como o gênio da lâmpada cumprindo três desejos de alguma marmota entediada. Você,

Existência estomacal

By Lecy Pereira Sousa     Por todos os lados que se quisesse olhar, o vislumbre era único. Tudo eram bocas cheias e fechadas pela mastigação. O mundo se resumiu numa única coisa: vontade de comer! Muito embora, nem sempre essa vontade fosse concretizada. Dormia-se, acordava-se, lia-se e escrevia-se, odiava-se e amava-se somente para comer. Afinal, o que poderia garantir uma sobrevida, uma continuidade, um orgulho incorrigível?   Comiam as paredes de concreto, as árvores dos jardins , as placas comemorativas, os bustos de bronze de mortos ilustres e bigodudos. Numa incessante antropofagia, comiam os homens, as mulheres e os andróginos . Não havia traça ou verme que se comparasse. Devoravam as esquinas, as manequins das vitrines e as vitrines de sobremesa.   Um bom título para narrar a ânsia febril por consumo seria  Nascidos para comer . Por todos os lados que se quisesse olhar, como num espelho, só se viam olhos vazados de fome e bocas incrivelmente nervosas. Não havia nada que