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©Lecy Sousa
Sim. Eu fiquei ali, na calçada, assoviando qualquer coisa. Sempre achei assoviar coisa de gente sem o que fazer ou aborrecida, mesmo.
Ali estava eu praticando o que julgava. Argh! Eu queria tirar os olhos do celular, sabe? Tirar os olhos e não me sentir entediado, entende?
Não. Eu não estou escrevendo um querido diário do garoto Ken ou da garota Barbie. Tento relatar, à minha maneira, alguma coisa.
Enquanto falo, a minha voz vira palavras num desses editores de texto, sabe?
Tudo em busca das palavras que mais “agradem” ao algoritmo. As palavras do período perfeito, da oração perfeita. Percebe?
Meus ossos doem. Meu estômago dói. Estou bastante ansioso. A culpa surgiu dessa necessidade de não ficar entediado. De tanto a humanidade reclamar de que viver é um tédio gigantesco, sem algo que nos entretenha, sem algo que prenda nossa atenção minuto pós minuto, o pedido foi atendido. Como o gênio da lâmpada cumprindo três desejos de alguma marmota entediada. Você, alguma vez, viu uma marmota entediada?
Será que alguém poderia levantar a cabeça e me ver atravessando a faixa para pedestres naquele dia?
Eu sei que isso vai parecer mais um robô criando texto para bombar no Whattpad. Há tantos por aí cumprindo agendas de grandes editoras. Tantos criando sagas pirotécnicas. Epopeias são reinventadas, diálogos vistos e revistos, enredos costurados, tramas desconstruídas. Personagens ganham personalidades descomunais e suas descrições viram imagens nas mãos de quadrinistas até serem representados em carne e osso por algum nome conhecido do mundo cinematográfico.
Orbitando em tudo isso, há miríades de produtos e subprodutos em Webstores devidamente equipadas com múltiplas plataformas de pagamentos.
Ninguém levantava a cabeça. Raios! Tempestades! Comporto-me tal um robô com problemas existenciais. O meca existencialista observando o trajeto aleatório de uma borboleta biológica.
Alguém me havia dito em outra época:
- Se você quer saber de uma coisa, eu posso dizer francamente.
- Por favor.
- Penso que a humanidade está entrando em redemoinho.
-Você poderia ser mais específico?
- Há gente demais pensando ao mesmo tempo. O brainstorm é caótico. Todos querem comer, beber, obrar, fazer sexo e ir à Orlando ao mesmo tempo. Não há cíclotron que aguente uma coisa dessas. A corda precisa arrebentar para ser esticada outra vez.
Isso, apenas, se restar corda. Talvez restem os inusitados buracos de minhoca ou os cultuados buracos negros. Eu acho bastante estranho o fato de pouca gente, dentro de um seleto grupo de cosmólogos, ter visualizado um buraco negro. No entanto, a esmagadora maioria das pessoas, que jamais viu um buraco negro em suas existências, vibra como se fosse íntima deles.
Enquanto o torvelinho segue virando La Niña e El Niño de vez em quando, uma narrativa qualquer deseja saltar de mim todos os dias. Porém, essa narrativa espera encontrar uma avenida sem sinal vermelho, um caderno específico, uma caneta específica, um lápis específico. Às vezes, eu acho isso uma espécie de frescuragem demiúrgica. O fato é que estou a falar de processo criativo. Nada a ver com um robótico “copie e cole” típico do assustador processo industrial de escrita.



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