Os descaminhos da melancolia VIII
O escritor moçambicano Mia Couto, para mim uma das vozes mais ecoantes do atual contexto literário da língua portuguesa costuma dizer que o tempo é um rio.
Figura de linguagem, ou não, seguimos arrastados por esse leito que cisma de correr para o mar.
Então, dezesseis de agosto pela manhã e eu fui ao encontro do romancista Leonardo de Magalhaens. O local era o parque ecológico palco de outros momentos em que tratávamos de assuntos literários para variar.
De ali fomos ao almoço rápido. Eu pedi um mexidão e ele um tropeiro acompanhado de suco de latinha. Quem está a ler há de se questionar em que essa descrição de cardápio pode tornar esse texto mais interessante e diferente de um diário juvenil e perfeitamente descartável.
Bem, não sei. Sei que falamos de poemas, egos literários, personalidades infantilizadas (dessas que nós, escribas ou não, costumamos padecer), ausência de profissionalismo quando ele se faz necessário no meio cultural, gente que combina um evento que envolve mobilização de pessoas e desmarca encima da hora revelando absoluta falta de responsabilidade e compromisso, eu que combinei um horário e cheguei noutro revelando como sou brasileiro e pouco britânico, capitalismo, socialismo, Gandhi (até Gandhi apareceu nesse papo), Sartre, Segunda Guerra Mundial, sites, lan-houses, etç.etc. e nós que ficamos acreditando que um outro mundo é possível apesar da pilantragem humana que atravessa os séculos e permanece inabalável. Gerações nascem e viram pó e os poetas continuam crendo num mundo melhor, um mundo que se recusa a ser esse, um outro mundo em que as pessoas aprenderão de vez lições básicas de diplomacia e gerenciarão seus conflitos emocionais ofertando um abraço sem furtar ou assassinar seu próximo. Claro que tudo isso parece religioso demais e, penso que eu e Leonardo não somos exemplos bem moldados de reverendos dispostos a criarem mais uma religião para entrar em conflito com as outras (o que as religiões mais sabem fazer ao longo dos séculos, com requintes de sabedoria, é se odiarem e matarem em nome de Deus). Se eu e Leonardo seguíssemos à risca os preceitos xenófobos é fóbicos, QUE JAMAIS MUDAM AINDA QUE MUDEM OS SÉCULOS, nos bateríamos até a morte, posto que pensamos de forma diferente em diversos aspectos. Ocorre que preferimos a empatia.
Enfim, fomos abordados por uma criança vendendo adesivos em mesas de restaurante ao ar livre que pediu que a gente pagasse um prato feito para ele. Vale lembrar que em alguns outros países da América Latina as crianças não precisam se humilhar a tal ponto. Mas, raios, esse texto não é um panfleto da nova Internacional Socialista. Vivemos no país das constatações, de tribos que acham que têm a solução convencional para todos os problemas ao mesmo tempo, menos para a falta de vontade de aceitar o outro com suas idéias e seu modo de sonhar o mundo.
Enfim, soltamos o verbo e Leo falou da possibilidade de a gente se apresentar no Projeto Terças Poéticas de Belo Horizonte curado pelo poeta Joaquim Palmeira. A gente que eu cito é Rodrigo Starling, Leonardo Magalhaens e essa figura que vos escreve até as alturas dessas vinte e duas horas e quarenta e um minutos de uma Segunda-feira. Assim, de alguma forma, arquitetamos o dia Dezesseis de setembro de Dois Mil e Oito. Acrescentando que os poetas Joaquim Palmeira e Diovvani Mendonça cismaram que eu devia lançar o livro de poemas "Primeirapessoaplural" nessa data.
Terminamos o almoço e Leo disse que precisava dar uma aula particular de Inglês, algo fácil para alguém que fala alemão e avança no russo. Ainda brincamos sobre a natureza estática de Contagem. Lembrei-me da música Where The Streets Have no Name do U2. Era como se estivéssemos naquele deserto onde as ruas não têm nome. Lá vinha o ônibus. Leo se foi nele. Eu fui pegar outro que me levaria ao meu destino.
Somos um rio que segue seu leito por uma terra sonâmbula, penso aos solavancos do ônibus coletivo.
Lecy Pereira Sousa
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