Marcos Fabrício Lopes da Silva*
Doutor e Mestre em Estudos Literários pela Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE-UFMG).
Poeta, professor autônomo e pesquisador independente.
Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
A felicidade é uma emoção básica
caracterizada por um estado emocional positivo, com sentimentos de bem-estar e
de prazer, associados à percepção de sucesso e à compreensão coerente e lúcida
do mundo. Nos últimos anos, diversos pesquisadores têm se preocupado em
desvendar as relações entre felicidade e saúde mental. Até o advento da
filosofia socrática, acreditava-se que a felicidade dependia dos desígnios dos
deuses. Essa concepção religiosa da felicidade imperou durante muitos séculos e
em diferentes culturas. No IV século antes de Cristo, Sócrates (470 a.C. - 399
a.C.) inaugura um paradigma a partir do qual buscar ser feliz é uma tarefa de
responsabilidade do indivíduo, debatendo sobre a felicidade e pregando que a
filosofia seria o caminho que conduziria a essa condição. Aristóteles (384 a.C.
- 322 a.C.) continua a investigação de Sócrates, concluindo que todos os outros
objetivos perseguidos pela humanidade – como a beleza, a riqueza, a saúde e o
poder – eram meios de se atingir a felicidade, sendo esta última a única
virtude buscada como um bem por si mesma.
A partir do Iluminismo, a
concepção de mundo no Ocidente começa a girar em torno da crença de que todo
ser humano tem o direito de atingir a felicidade. Na mesma linha, o ideário da
Revolução Francesa estabelece que o objetivo da sociedade deve ser a obtenção
da felicidade de seus cidadãos. Nos tempos atuais, a felicidade é considerada
um valor tão precioso e indiscutível que, como um exemplo emblemático, podemos
citar a Declaração de Independência dos EUA, que registra que “todo homem tem o
direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade”. Muitas são as
definições de felicidade, e a maioria delas faz menção a um estado emocional
positivo, com sentimentos de bem-estar e prazer. Diversos estados e
experiências podem produzir felicidade. Alguns exemplos são: o amor, a alegria,
a saúde, a saciedade, o prazer sexual, o contentamento, a segurança e a
serenidade. Emoções como tristeza, medo, raiva e nojo, além de estados afetivos
como ansiedade, angústia, dor e sofrimento, costumam diminuir a felicidade.
É claro que sempre se está em
terreno movediço quando se busca caracterizar a vida de forma universal,
encontrar uma explicação que sirva para todas as pessoas em todos os momentos
históricos pode ser um erro, pois a felicidade pode ser caracterizada por cada
um de forma diferente, as pessoas são autônomas para isso. Contudo, parece-me
importante lançar uma luz no caminho da felicidade para iluminar aqueles que
estão caminhando no escuro. Vou apresentar duas distinções sobre o conceito de
felicidade e, em seguida, articulá-las com a noção trazida pelo livro de Jane
Austen (1775-1817), intitulado Persuasão (1817): “O pior dos males de um
caráter maleável e indeciso é que não se pode confiar em ter influência sobre
ele. Nunca podemos ter a certeza de que uma boa impressão será durável. Todos
são capazes de influenciá-lo. Quem deseja ser feliz deve ser firme”.
Muitas pessoas na atualidade
esperam encontrar a felicidade pelo acúmulo de prazer. Assim, buscam viver o
hoje, o aqui e agora, sem pensar muito sobre as consequências futuras. Esse
pensamento faz parte do imediatismo contemporâneo. Promove prazeres constantes
e infelicidades igualmente constantes. Estilo montanha-russa, cheia de altos e
baixos. As regras atuais, por exemplo, além de cobrar êxito na vida
profissional e pessoal, padronizam a beleza, levando as pessoas, que não se
encaixam nessa fórmula, a ficarem insatisfeitas consigo, gerando um sentimento
de inadequação, como se estivessem fora da rota. Com isso, acabam se impondo
mais propósitos do que são capazes de suportar. O resultado disto é a
diminuição, ou perda, da autoconfiança devido ao impacto na autoestima.
O fato é que poucos interpretam
que a felicidade está relacionada ao sentido da própria existência, aos valores
e propósitos de vida de cada um. É fundamental conscientizar-se disso para que
a comparação com o outro não seja o ponto de referência, uma vez que a
comparação é sempre maléfica, pois gera estados intoleráveis de que não é bom o
suficiente, sem questionar se o suficiente é para quê ou para quem. E, em um
mundo onde a experiência do sofrimento não é vista como parte do processo de
crescimento do ser humano, sentir tristeza parece inadequado, levando muitos de
nós a buscarem a felicidade a qualquer custo.
Só que a trajetória da vida não é
um caminho sem perdas ou frustrações. Viver é sempre uma tentativa de
equilibrar erros e acertos. A clara percepção disto é geradora de saúde
emocional e mental, e isso sim é sinônimo de felicidade. Não há nada de errado
em buscarmos a felicidade, o problema são os ideais inatingíveis que nos levam
a não consultarmos a nossa própria vontade. A felicidade é um sentimento
constante, uma forma de ver a vida. É o sentimento de satisfação por existir,
mesmo nos momentos de sofrimento. Ela se assemelha ao conceito de paz de
espírito. Estar feliz significa estar em paz consigo mesmo e com a vida.
Paixão e emoção não são ameaças à
razoabilidade e ao bom-senso. A ameaça real à razoabilidade é o poder
coercitivo não legítimo. Mesmo diante da miséria humana que testemunhamos aqui
e acolá, podemos nos unir em torno do que nos eleva. Não à toa, precisamos ir
além do que está dado pela configuração do presente. Isto é, esperar além das
certezas e teimar em superar as inclinações mais pessimistas. A esperança só
floresce e se mostra em tempos de adversidade. Como canta Tom Zé: “Menina,
amanhã de manhã/quando a gente acordar/quero te dizer que a felicidade
vai/desabar sobre os homens, vai/desabar sobre os homens, vai/desabar sobre os
homens” (Menina amanhã de manhã, 1972).
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