Você me amar, perguntar.
Até o limite do assombro, responder.
Desaparecer, algo inimaginável. Ele, ela, eles, elas, nós, vós.
Há uma cidade correndo inteira por cabos telefônicos em postes. Correm as vozes num fluxo verbal congestionante.
Esperar que ela me entendesse quando atendesse a chamada. Ontem foi difícil, talvez não menos que agora. Aquelas fotografias congelaram um beijo que recebi numa festa tecno, dizer numa "rave". Esse é o terrível terreno da subjetividade. Suposições. Que último romance Dulcinéia ler? Que último filme assistir? Há de ser a adaptação de "Ensaio sobre a cegueira" por Walter Sales Jr. ou "Meu nome não é Johny". Que música ouvir ou quadro a reparar: cena rural, soberbia urbana, abstrações, viagens oníricas? Há na rua da selva, onde os homens não têm nome, mas números, um leopardo a nos espreitar com seu olhar agridoce numa busca elegante, imponente, por presas que afiem mais suas presas que dariam curiosos souvenires pendurados no pescoço da modelo desfilando a moda praia na passarela anoréxica.
Amar sob o filtro das luzes desse teatro de arena. Que entrem os leões! Espere, há um erro de texto. Que entrem as ninfas! Ele vive num rio de incertezas urbanas a questão em sua mente é por que alguém procura alguém para ser senhor ou senhora. A perpétua cumplicidade de um cão e seu dono feito um par de olhos cegados sendo guiado por outro par de olhos sãos. Ele tem dúvidas de amor na sórdida mitologia contemporânea. A estranha necessidade da certeza.
Se ela não amar, desaparecer.
Culpar eles que mais sabem impedir a consumação de um amor. Eles que povoam a noite de assombro. Eles que não suportam ver amar ao sabor das ondas calmas. Eles da turma dos filhos de Caim, esses que vivem a vagar sem um riso no rosto e não suportam o triunfo das belas artes.
Você me amar, ela perguntar.
Iludir, indefinir, ele responder, amar o fluir, o amanhecer. Só a essência permanecer, entender?
Será que algum dia eu caber em sua beleza, ela perguntar.
Você caber em meu fazer, ele responder.
Tudo afirmar. Medo de ver o tempo correr. Cada dia ela passar ao som do reggae, do samba, da bossa nova.
Quem eu amar, muito querer me fazer sofrer, ferir, ignorar, humilhar, ele dizer. Parecer que amar se sustentar de antônimos.
A gente se encontrar numa danceteria, ela falar, muito dançar, muito girar, globo, câmera lenta. Nossa história de desenredo começar. Beijar, beijar, lembrar disso?
Isso. Hoje só lembrar, fotos, filmes, objetos, uma lua logo ali, o sol ao sabor do ventar do nosso amor de férias.
Você me amar de verdade, ela perguntar.
Sim, sim, sim, te amar, até aprender a deixar de ser, ele responder.
Lecy Pereira Sousa
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