quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Beijo e Balas

Beijo e Balas
                          Lecy Pereira

No Jukebox do bar do quarteirão mais próximo tocava “Hotel California” do Eagles. Em seguida veio “Sweet Child O’Mine” do Guns N’Roses.

Em meu quarto, a pergunta que me veio à cabeça foi se a escolha das músicas era randômica ou se alguém escolhia pacientemente o set list. Num típico bairro de subúrbio, longe de qualquer badalação, essas músicas provocam um estado de melancolia miserável.

Ao olhar pela janela, tudo que eu podia visualizar era uma rua escura, ainda com a lâmpada do poste acesa. Naturalmente, essas lâmpadas foram feitas para não clarearem as coisas. E para não perderem o costume vindo lá dos anos 1980, havia um carro parado no meio da rua e um casal encostado nele trocando um beijo frenético.

Há aqueles jovens que decidem ficar no bairro nos fins de semana e o que mais se vê são aquelas garotas de saia curta ( para não dizer minissaia) e salto alto acompanhando rapazes com indefectíveis bonés que são parte de suas personalidades. Isso lhe parece familiar?

É o documentário da realidade desenrolando diante dos nossos olhos. Tudo tão continuado  e com cenas bastante previsíveis. E bem se sabe, as perifirias nasceram para nunca ter cinemas, teatros, ginásios ou qualquer tipo de entretenimento noturno.

Decerto, Paris é uma cidade em que há escritores saindo pelo ladrão. É difícil encontrar alguém que empolgue uma editora após Susane Sontag, Marguerite Duras, Marguerite Yourcenair, Racine, Sartre. As mídias móveis e imóveis têm alterado o “ofício” de redigir.

Por que, raios, Paris, entrou nessa narrativa?

Retornemos ao suburbano do abandono, ao trecho geográfico que sequer chama a atenção no Google Street View, ao lugar comum relegado a notas policiais de subjornais.

O casal continuava trocando um beijo incendiário, enquanto o carro os suportava sem poder fazer barulho.

Não sei quem disse que Deus não gostou do rumo que a Literatura tomou. Sinceramente, eu nunca imaginei que Ele bancasse o editor aborrecido e que houvesse gente tão bem informada sobre as opiniões Dele acerca da produção literária alhures.

Logo ali, um sujeito pilotando uma moto parou sorrateiramente e disparou quinze tiros na cabeça de um adolescente que soltava uma pipa, certa hora do dia, talvez por não ter algo mais formativo a fazer.

Começo a refletir sobre os livros escritos por Ferrez e por MV Bill. Seriam realidades distintas? De alguma forma Capão Redondo e Savassi se amalgamam. Ipanema e Vila Marimbondo são coirmãs. Apenas, mundos paralelos justapostos e compostos por cérebros que precisam de comer-cagar-mijar-amar e fazer outras coisas tidas por civilizadas ao longo do dia. Onde o susto nisso?

Assim, as línguas do casal continuavam inquietas. Cheias de prazer e buscando um gozo instantâneo no meio da rua.

Inesperadamente, o Jukebox dispara “Ai, se eu te pego” do Michel Teló. A vida continua entre um e outro fato.