O autor está nu
Por fim, posto que não poderia
ser por inicio, acabei de ler o meticuloso "Primeiros Versos - Uma
Academia" do duque das letras de Contagem (a alcunha é de minha invenção),
Vinícius Fernandes Cardoso.
Nada me tira da cabeça que o
referido autor seja uma espécie de reencarnação de um membro de família nobre e
com brasão a desfrutar do bem querer na Corte Portuguesa nos idos ( e botem idos nisso) do Século XV.
Enquanto escrevo ressalto que
estou assentado em uma cadeira com rodinhas e assento estofado, no estilo
superintendente e beberico uma taça de vinho Pérgola que descansa sobre uma
mesa de granito que suporta meu notebook ligado e baixando um e-book via
torrent - nada mais politicamente incorreto. Eu, mesmo, estou usando uma caneta
esferográfica e um pequeno caderno espiralado. Vá entender.
Descontando a ação estimulante da
bebida industrializada procuro rememorar o que li. E, ainda, que o autor fique
cheio de brejeirices desnecessárias, no afã de justificar, o tempo todo, o teor
daquilo que será lido sabe-se lá por quais olhos interessados (os meus, por
exemplo), procuro avaliar (palavra cretina) sem qualquer ressalva o resultado
bruto desse formato. Fato é que eu tive contato com alguns dos textos em outros
momentos e de forma esparsa. Sequer naqueles momentos censurei o autor.
A mim pouco importa se são versos
de principiante ou veterano. Busco essência naquilo que leio. Um tipo de
essência que extrapola o vade mecum
acadêmico como sói acontecer ou por similitude. Não que exista nessa postura
sinais de uma rebeldia romântica ou desprezo pelas "normas"
seculares.
O grande "problema" da
literatura é o de o (a) leitor (a) tomar aquilo que lê por verdade absoluta,
sem qualquer possibilidade de abstração, ainda que ela esteja a olhos vistos.
Nesse caso, o (a) autor (a) é um (a) miserável, considerando que ele (ela)
redige tudo ao seu bel prazer. O Brasil foi, primeiramente, descrito por Pero
Vaz de Caminha que bem poderia ter redigido um diário de bordo retratando o
aspecto humanista de tão pitoresca frota, mas ateve-se aos autos. Então,
estamos diante de um problema insolúvel? Nem tanto. Insolúvel, de fato, é a
pouca vergonha na "cara" de quem "heroicamente" (por favor,
não me condene à forca pelo excesso de aspas) se propõe a escrever. Veja o que
os hebreus fizeram com a humanidade (que Deus se apiede da minha pobre alma)
sob premissas verdadeiras. Mais adiante no tempo vimos o que um homem eivado de
loucura fez com o povo judeu, sob falsas premissas. E hoje há quem tenha a
desfaçatez de afirmar, em público, que o fato último não passa de ficção (algo
sobre o que há farta documentação escrita e algumas imagéticas, além das
sepulturas coletivas). Daí o abacaxi acaba ficando para os leitores que
precisam usar de abstração, um recurso tão escasso no "pobre" Século Vinte e Um, salvos os amantes do gênero
fantasia (esses sabem o que significa viajar pelas palavras).
Retornemos ao autor que é um
"pobre coitado" e saberá usar de abstração ao ler essa minha
afirmação entre aspas. Eu que também escrevo e padeço dos mesmos adjetivos.
Na maioria dos poemas desse livro
ouso escrever que o eu lírico não é contemporâneo, se por contemporâneo
entendemos o que acontece no hiato que vai do nosso surgimento ao nosso
desaparecimento biológico. Se, como o poeta afirma, tais versos são imaturos, a
mim soam como uma imaturidade arquitetada. Aqui lemos poemas que mais se
assemelham a sonetos que fogem a regra obrigatória. Pode isso assemelhar-se a
uma anarquia, considerando o advento (kkkkk) da Semana de Arte Moderna (ou a
legitimação da panela aristocrática paulistana de antanho). Os versos de
Vinícius Fernandes Cardoso perpassam uma melancolia ácida (o que seria uma cor
local típica dos poetas da época da peste- viver quarenta anos, então, era um
milagre rejubilante), um "negócio" entre o estoico e o cínico no
sentido primeiro desta palavra. Ao mesmo tempo estamos diante do eu lírico da
corte que nos empresta seu olhar diplomático e humanístico que, ora nos
esbofeteia com luva de pelica rosa, ora nos acaricia com luva de agulhas.
Acredito que o próprio poeta
afirmar que seus poemas são ruins soa pretensioso. Também afirmar que os maus
poemas são os mais sinceros é opinião de foro íntimo - nesse caso refiro-me à
citação usada pelo poeta. Uma tentativa piegas de desestabilizar os leitores.
Considere a possibilidade de quem ler andar poderosamente armado e pronto para
receber as terceiras intenções do poeta. Alguns editores e escritores teimam em
tratar leitores em geral como seres descompensados incapazes de alcançarem o
reino de ambrosia onde residem os "pobres coitados". Didatismo
excessivo emana ranço acadêmico que é sempre bonitinho e aprazível entre pares,
mas dispensável entre leitores de todas as paragens. Nem, por isso, é menos
autêntica uma manifestação literária. Deficiência autoral, quem não as tem?
Voltemos aos poemas juvenis de
Vinícius Fernandes Cardoso, que nos premia com determinados versos e estrofes de difícil esquecimento. A saber:
"Talvez foi de tanto buscar longe,/reis, safiras, impérios e rubis,/que
não percebi demente,/que minhas joias estavam aqui." Nota-se também o
impacto em "...e assim vamos adiando a maior luta: a interior,/até que
chegue a maior fuga: a morte."
Somos pegos também em versos
existencialistas: "Sou o rancor de uma noite morta?/Sou o desespero da
rejeição impiedosa?/Sou a fome dos momentos que me negam?/Sou o deus derrotado
do meu mundo?"
Mais adiante o autor rompe com o
suposto formalismo e joga-se em "Anti-palavra, contracultura", “Ode à
Distração” e “Odisséia Imaginária...” - o livro seguiu a ortografia antiga-,
entre outros rompantes”. Vale lembrar que tais poemas requerem dissertações
mais específicas.
Como aqui fui convidado a fazer
um prefácio e não um ensaio, eu deixo aos leitores todas e quaisquer impressões
acerca desse livro onde o autor se despe, mas adverte sabiamente, caso alguém
queira fechar os olhos antes ou cobri-los com a mão deixando um espaço entre os
dedos.
Senhoras e senhores, o poeta está
nu!
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