Sobre Poemaremos sem fim (2005, publicado em 2008) do poeta Lecy Pereira Sousa
Cinco anos poemando Poemaremos sem fim
Cada época tem seu referencial e seu discurso, isso aprendemos em sadias leituras de Marx e Foucault, onde cada grupo social enreda e divulga um tipo de cultura, de retórica, de imaginário, que pode ser transmitido como testemunho de um modo de vida ou lição de moral.
Assim, temos o século 18 com suas sátiras, o século 19 com a moral burguesa, ou as fantasias românticas, e o século 20 com a implosão da Poética, em versos descontrolados e velozes, de muitas faces e perspectivas, vangloriando-se do progresso, ou atacando a modernidade. Tivemos Fernando Pessoa (ou Álvaro de Campos) com suas odes ao estilo Walt Whitman (ver "Ode Triunfal" ou "Ode Marítima"), tivemos os beatniks com suas odes neuróticas e apocalípticas (vide "Uivo", de A. Ginsberg, ou "Manifesto Populista", de Ferlinghetti ) só para ficarmos nos poetas reconhecidos e declamados.
Alguns links: http://www.revista.agulha.nom.br/facam02.html http://www.revista.agulha.nom.br/facam04.html
http://www.almanaara.hpg.ig.com.br/ed2/pant2.htm
http://leoleituraescrita.blogspot.com/2009/08/lawrence-ferlinghetti-manifesto.html
São as vozes de uma época (assim como foram "A Náusea", romance de Sartre, e as novelas "Lobo da Estepe" (Hesse) e "On the Road" (Pé na Estrada)(Kerouac), a movimentarem toda uma geração de leitores e novos escritores, traficando influências e transpassando a leitura para virar modo (estilo) de vida. Assim uma voz autoral atingindo um status de voz coletiva, a dizer algo que pulula em miríades de 'corações e mentes' numa coletividade de uma época.
Vamos abordar aqui uma dessas vozes, que falam do Eu mas a Falar do Nós. Um texto, mas especificamente um poema (ou quase 'poema em discurso') que vai completar cinco anos de existência em papel e tinta: Poemaremos sem fim.
Poemaremos sem fim, para quem ainda não teve contato com o fenômeno, é um poema extenso, excessivo, transbordante, egocêntrico e multiculturalista (ao mesmo tempo!), de autoria do poeta e performancer Lecy Pereira Sousa, que tem em seu currículo dezenas de eventos, além de ser sócio fundador da Academia Contagense de Letras (ACL), sendo também eficiente Presidente.
A primeira vez na qual eu li 'Poemaremos sem fim' foi por e-mail (recebido em janeiro de 2005), quando ainda não havia sequer projeto de publicação (o livro PRIMEIRA PESSOA PLURAL foi publicado em setembro de 2008) e toda a atividade autoral de Lecy era então despejada (literalmente) na rede mundial de computadores, ou, popularmente, Internet. Miríades de blogs abrigavam (e ainda abrigam) centenas de versos, crônicas, contos, e centelhas de comentários, ensaios ou considerações/desabafos extra-literários.
Podemos até ler o poema ali no papel, mas declamar o mesmo, ou ouvir a declamação feita pelo poeta (o autor, se possível..) é uma experiência que faz o poema emergir da folha e re-vivenciar toda a emoção que gerou a Escrita. Assim a cada leitura de Poemaremos ou ao ouvir o Autor declamar vamos percebendo o vigor, e as sutilezas, do texto. Poemaremos é um poema assim: sempre re-presentificado, sempre novo. Nunca esgotado em suas imagens e referências (que, aliás, são muitas, múltiplas!)
Lecy lendo Poemaremos no Youtube (no Ninho das Pedras) http://www.youtube.com/watch?v=a-U7zwzcBIY&hl=pt-BR
Poemaremos é daqueles poemas que pedem uma boa paródia (assim logo escrevi uma, tanto como parodiei Ode Triunfal ou Uivo...) devido a conversa franca com o leitor, jogando como um cúmplice no meio do Enredo todo, a voz lírica sempre dizendo de si-mesma, sim, mas também de nós-mesmos (capturados para dentro do universo poético, como se um tele-espectador sugado para dentro do programa de auditório na TV)
Podemos dizer que Poemaremos é, de algum modo, o nosso Uivo, o nosso On the Road em prosa, o nosso Manifesto Populista, clamando aos poetas que poemar (neologismo criado pela mente inquieta do Autor) é uma tarefa árdua e constante, não é hobby para final-de- semana e feriados, é vivência concreta e esotérica (no bom sentido...)
De maneira concreta Calcados na argamassa Sabidos a diamantes Fundidos em nobre aço Escudados por titânio Poemaremos poemaremos poemaremos Poemaremos por falta de opção Rijos tensos intumescidos Retesadamente lascivos Ao cair da noite & ao levantar do sol Duros de coração Monossilábicos átonos atônitos
Poemaremos por teimosia, "por falta de opção", porque não vivemos no mundo que desejamos (se até da República de Platão, nós fomos expulsos..), porque somos inquietos, em desassossegos, e vivendo o 'mal-estar na civilização' (assim diz Freud, e assim concorda Marcuse), quando cada desejo satisfeito gera outro desejo, ainda mais urgente, e quando cada problema resolvido ai gerar mais problemas, num círculo vicioso que angustia. O que resta? Se possível, mudar tudo, revolucionar! SE não, vamos ficar no 'nosso galho' rabiscando uns versos, e formar uma corrente de leitores, que algum dia (ah, nossas esperanças!) poderão fazer a revolução em nosso lugar...
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota /e adiar para outro século a felicidade coletiva. Escreveu Drummond, em sua "Elegia 1938", quando reconhecia seu egocentrismo em luta contra seu coletivismo, a esperar que ao menos , no futuro, um bem-estar coletivo seja alcançado. Então, agora o poeta limita-se a poemar sem outra opção (mercadológica? ideológica? circunstancial?), esperando antes de tudo comunicar (isto é, desabafar) suas verdades e suas ilusões.
Acordados sonolentos noutra parte da História Carregando a pecha de moderninhos Poemaremos babando ovo de algum poeta dos Oitocentos
E
Lendo os Psalmos os Lvsíadas os Contos do Decamerão Ao vasculharmos o Livro dos Mortos e a bíblia do Cinema Quando Júpiter estiver em Marte e a lua em Plutão Trajando camisinhas perfumadas e cuecas samba canção Dissolvendo poetas que desejam ser lembrados Daqui há mil anos em meio copo d´água Envelhecidos em tonéis de carvalho
Tentando digerir toda uma Tradição (que os Futuristas – e os nazistas – preferiam queimar, do que dedicadamente ler e reler) para tentar compreender a babilônia moderna, concreta e virtual, o mundo em formas e bytes, a realidade mutante e coisificante, onde somos números e somos consumidores, onde vendemos nosso tempo e nossa mão-de-obra, onde ligamos a TV e somos bombardeados por mil mentiras por minuto. E ninguém quer saber se acreditamos ou não – querem a nossa audiência e o nosso voto, querem índices no Ibope e cargos públicos, querem nossa ignorância cotidiana para manter o circo social.
O que Lecy Pereira faz aqui no Poemaremos é desabafar em ironias, em escárnio, um escarro mesmo, sobre a palhaçada que este mundo virou ! Nada é levado à sério – a começar por nossos pais e educadores, amigos e parceiros de afeto – a continuar no teatro dos Parlamentos e Gabinetes, onde a Política vira motivo de deboche e perde o P maiúsculo. Assim, somos despolitizados e viramos mera audiência enquanto decidem – dizem que em nosso nome - os nossos cotidianos e os nossos destinos. Para nós, só resta mesmo poemar e nada mais.
Out/09
Leonardo de Magalhaens http://leoleituraescrita.blogspot.com
Links para o Poemaremos
Parte 1 http://www.tanto.com.br/lecypereira-poemaremos.htm
Parte 2 http://www.gostodeler.com.br/materia/2003/poemaremos_sem_fim_parte_ii.html
paródia de Poemaremos http://diovmendonca.blogspot.com/2008/09/1-viva-poesia-poesia-viva-280908.html
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