terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Sobre ou sob a condição humana dos poetas

 

 By Lecy Pereira Sousa

Desde tenra idade muito me perguntava se poetas e romancistas existiam em carne e osso.

 

Ficava-me a dúvida se eles redigiam um livro, publicavam para que a massa leiga comprasse e depois retornavam ao plano etéreo onde viviam sem saber o que é sentir vontade de urinar ou aliviar o portal de saída do intestino, algo assim como o Cristo ressuscitado pintado por J J Benitez em "Operação Cavalo de Tróia".

 

A medida em que minha ignorância acerca do comportamento humano foi diminuindo e a idealização romântica foi montando num jegue passei a entender que há escritores que gostam de convivência social e há outros que não suportam o público. Também há aqueles que só se comunicam com pessoas que têm sua mesma formação escolástica e condenam aos infernos aqueles que estão no seguimento social inferior. Eu pensava que a idéia preconceituosa de castas só imperava na Índia. Depois descobri que alguns escritores fantásticos são tão preconceituosos quanto eu posso ser relativamente a determinados temas.

 

Há poucos dias recebi a ligação telefônica de um jovem que deseja seguir a "carreira" de poeta. Como é do meu feitio fui logo lhe atendendo de forma descontraída. Ele ficou surpreso porque em seu imaginário todos escritores são pessoas incrivelmente mau humoradas e indispostas para dialogarem com pessoas que não são do seu convívio. Ele também disse que tentou se comunicar com poetas ditos consagrados e nenhum deles sequer respondeu ao e-mail ou seja lá qual outro meio de comunicação utilizara.

 

Tudo bem que o anonimato é assegurado por lei. Ninguém é obrigado a reportar ao contato de ninguém se não for da sua vontade própria. Porém, o silêncio de um poeta ou seu comportamento arredio pode afastar um jovem promissor do caminho das letras, até porque algumas pessoas costumam julgar a parte pelo todo. De alguma forma eu joguei a idealização do rapaz por água abaixo. Onde ele esperava encontrar um encastelado, achou um embarracado. Onde ele esperava encontrar um metido a sábio, achou um metido a besta. Onde ele esperava encontrar um semideus, achou um homem comum, um anti-herói, um sujeito que escreve seus textos a revelia do deslumbramento. A esse rapaz que cedo ou tarde terá que confrontar a si mesmo acerca do que deseja como ideal de vida entreguei algumas publicações de jornais e de outros poetas. Ainda lhe disse que o mundo literário é assim mesmo :repleto de leituras silenciosas e que muitas vezes esse silêncio pode revelar um esnobismo estrábico ou uma refinada deselegância.

Enfim, eu disse ao rapaz que tomasse sua cruz e seguisse o caminho com uma pedra no meio como cita um óraculo poético. Ele deixou comigo uma pasta contendo poemas que, segundo o mesmo, não conseguiu inscrever num concurso estadual por mero problema burocrático. Assim começam os desafios.



 

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